É comum nos ambientes de trabalho haver divergências entre empregados e empregadores, o que pode resultar em conflitos. Essas disputas podem surgir devido a diferentes interpretações sobre atribuições, expectativas não atendidas ou falta de comunicação eficaz entre as partes envolvidas. Esses confrontos podem não apenas prejudicar o relacionamento entre funcionários e empregadores, mas também afetar negativamente o desempenho e a produtividade no local de trabalho, chegando ao ponto, em casos mais extremos, de haver demissões.
Não são raros os casos, pelo fato de ter havido conflitos ou divergências mais enérgicas, de empresas demitirem os colaboradores por justa causa erroneamente. É preciso entender que a demissão por justa causa só pode ser aplicada quando o colaborador cometer alguma falta prevista no artigo 482, da CLT, ou seja, não pode haver demissão sem justa causa fora das hipóteses do mencionado dispositivo legal.
Vejamos a redação do artigo 482, da CLT:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.
Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
Para facilitar a compreensão das hipóteses descritas acima, explicaremos, uma a uma, cada hipótese de demissão por justa causa.
ATO DE IMPROBIDADE
O ato de improbidade ocorre quando um trabalhador age de maneira desonesta, causando prejuízo ao patrimônio do empregador. Esse tipo de conduta viola a relação de confiança essencial entre o empregado e o empregador, conforme estipulado no Artigo 482 da CLT. Em decorrência dessa infração, é permitida a demissão por justa causa imediata, sem a necessidade de advertência prévia.
Alguns exemplos comuns de atos de improbidade incluem:
1. Apresentar um atestado médico falso para justificar uma falta ao trabalho e comparecer a outro compromisso pessoal.
2. Furtar um produto pertencente à empresa.
3. Registrar o ponto de entrada ou saída para um colega de trabalho, falsificando a própria presença.
Essas ações comprometem gravemente a relação de confiança entre empregado e empregador, justificando a rescisão do contrato de trabalho por justa causa.
INCONTINÊNCIA DE CONDUTA OU MAU COMPORTAMENTO
A incontinência de conduta está associada a comportamentos de natureza sexualmente desregrada. O acesso à pornografia no ambiente de trabalho se enquadra nessa categoria, porém, a demissão imediata por justa causa pode ser considerada excessiva pela empresa. No entanto, se o funcionário assedia outra pessoa, devido à gravidade da conduta, a demissão por justa causa é justificada e imediata.
Por exemplo, quando um trabalhador acessa material pornográfico no computador da empresa ou em seu próprio celular durante o expediente, ou quando um colaborador envia ou recebe conteúdo pornográfico pelo e-mail corporativo.
Além disso, o mau procedimento, também contemplado no Artigo 482 da CLT, é mais abrangente. Este se refere a qualquer comportamento que afete negativamente a reputação ou a moral da empresa. Quando não se identifica uma ação específica, o mau procedimento pode ser aplicado. Nesses casos, a demissão por justa causa pode ser imediata.
Por exemplo, quando um trabalhador utiliza as redes sociais para difamar a empresa ou quando, trajando o uniforme da empresa, um colaborador se envolve em comportamentos inadequados em locais públicos, como bares.
NEGOCIAÇÃO HABITUAL POR CONTA PRÓPRIA
A negociação habitual por conta própria ocorre quando um funcionário, sem autorização prévia, realiza transações comerciais durante o expediente. Se essa negociação envolver colegas de trabalho, prejudicando o desenvolvimento da empresa, é recomendável uma advertência antes de considerar a demissão por justa causa. No entanto, se a negociação ocorrer com clientes, caracteriza-se como concorrência desleal, justificando a demissão imediata.
Por exemplo, quando uma funcionária apresenta catálogos de cosméticos para os colegas de trabalho durante o horário de expediente, ou quando um funcionário entrega seu cartão pessoal a um cliente, independentemente da área de atuação da empresa.
CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO
É importante deixar claro que a condenação criminal não precisa estr diretamente relacionada ao ambiente de trabalho, mas sim a qualquer crime cometido pelo trabalhador. É importante ressaltar também que, enquanto o processo não for concluído, ou seja, enquanto não houver o trânsito em julgado, no qual não cabem mais recursos, a demissão imediata por justa causa não é permitida. Além disso, se o trabalhador receber a suspensão condicional da pena, isso também invalida a demissão por justa causa.
Por exemplo, no caso de uma prisão preventiva, o contrato de trabalho é suspenso. Se o empregado for liberado da prisão, ele tem o direito de retornar ao trabalho. Se, mesmo assim, a empresa optar por demiti-lo, será considerada uma demissão sem justa causa, e o trabalhador terá direito a todas as verbas trabalhistas correspondentes.
DESÍDIA NO DESEMPENHO DAS FUNÇÕES
A desídia é identificada quando o funcionário comete uma sequência de erros consecutivos e demonstra falta de interesse claro em suas responsabilidades. No entanto, é crucial que o empregador proceda com cautela ao considerar uma demissão por justa causa, a fim de evitar complicações adicionais para a empresa. Nesse contexto, é aconselhável fornecer advertências prévias, considerar a aplicação de suspensões e, somente após essas medidas, recorrer à demissão por justa causa.
Exemplos desses comportamentos incluem o desempenho negligente, preguiçoso ou desinteressado por parte do colaborador, bem como atrasos frequentes na entrega de tarefas e a falta de pontualidade no cumprimento de horários.
EMBRIAGUEZ HABITUAL OU EM SERVIÇO
Em certos casos, a jurisprudência brasileira reconhece a embriaguez crônica como uma condição médica que requer tratamento. Antes de considerar uma demissão por justa causa, é recomendável iniciar com uma advertência verbal. Posteriormente, é aconselhável buscar tratamento em colaboração com o INSS. Somente se não houver melhorias após o tratamento é que a demissão por justa causa pode ser considerada.
Exemplos dessas situações incluem um funcionário que chega embriagado ao trabalho, desde que haja evidências do comportamento, e um empregado que consome álcool com frequência fora do ambiente de trabalho, mas cujo desempenho durante o expediente é afetado como resultado dessa prática.
VIOLAÇÃO DE SEGREDO DA EMPRESA
A quebra de confidencialidade ocorre quando um funcionário divulga informações confidenciais que podem prejudicar a empresa, mesmo que esse prejuízo não seja imediato. Portanto, é aconselhável que a empresa implemente um termo de confidencialidade, mesmo que não seja necessário para fundamentar uma demissão por justa causa.
Exemplos dessas situações incluem um funcionário que divulga a receita secreta de uma empresa de alimentos, um colaborador que revela detalhes de um projeto patenteado ou um trabalhador que compartilha informações estratégicas da empresa.
ATO DE INDISCIPLINA OU INSUBORDINAÇÃO
Ambos os casos estão relacionados ao fato de o empregado desobedecer às diretrizes da empresa, optando por agir de acordo com suas próprias preferências. No entanto, a diferença entre indisciplina e insubordinação reside no tipo de ordem descumprida. A indisciplina diz respeito ao descumprimento das regras gerais da empresa, que se aplicam a todos os funcionários, enquanto a insubordinação envolve o desrespeito a uma ordem específica dada ao funcionário para realizar uma determinada tarefa.
Exemplos desses comportamentos incluem um funcionário que usa o celular durante o expediente ou não veste o uniforme, caracterizando indisciplina, e um empregado que não cumpre o prazo estabelecido para a entrega de uma tarefa ou não segue as instruções fornecidas para realizá-la, configurando insubordinação.
ABANDONO DE EMPREGO
O abandono de emprego ocorre quando um funcionário deixa de comparecer ao trabalho sem justificativa por um período superior a 30 dias consecutivos. Isso evidencia a clara intenção do empregado de não retornar mais ao trabalho. Além disso, também pode ser considerado abandono de emprego quando o empregador interpreta que o funcionário teve a intenção de faltar durante esse período. No entanto, é crucial que haja comprovação dessa intenção por parte do trabalhador.
Por exemplo, é necessário considerar a motivação por trás da ausência do funcionário, pois mesmo após o período de 30 dias, ela pode ser justificada. Isso ocorre, por exemplo, quando o funcionário está hospitalizado ou detido, sem contato com terceiros que possam informar sobre sua situação.
ATO LESIVO À HONRA OU A BOA FAMA PRATICADO NO SERVIÇO CONTRA QUALQUER PESSOA OU OFENSAS FÍSICAS, NAS MESMAS CONDIÇÕES, SALVO EM CASO DE LEGÍTIMA DEFESA, PRÓPRIA OU DE OUTREM
Este tipo de situação ocorre quando um funcionário insulta moral ou fisicamente qualquer colega de trabalho, independentemente de estar dentro ou fora da empresa, como no caso de ofensas nas redes sociais. Além disso, também se consideram ofensas, as ações que afetam terceiros dentro do ambiente de trabalho. Agressões verbais, assédio moral ou sexual são passíveis de demissão por justa causa.
Exemplos incluem agressões físicas, uso de linguagem ofensiva, depreciativa, constrangedora ou humilhante, bem como qualquer forma de assédio que viole a privacidade ou cause abuso.
ATO LESIVO DA HONRA OU A BOA FAMA OU OFENSAS FÍSICAS PRATICADAS CONTRA O EMPREGADOR E SUPERIORES HIERÁRQUICOS, SALVO EM CASO DE LEGÍTIMA DEFESA, PRÓPRIA OU DE OUTREM
Assim como qualquer ato contra colegas de trabalho e terceiros no ambiente de trabalho pode resultar em demissão por justa causa, a mesma regra se aplica às ofensas físicas e morais direcionadas ao empregador ou superiores hierárquicos. No entanto, é importante ressaltar que, caso seja constatada legítima defesa por parte do trabalhador, essa situação pode ser exceção à regra.
Exemplos incluem um funcionário que, durante um ato de insubordinação, agride fisicamente seu empregador, ou um trabalhador que, diante de dificuldades em obedecer a um superior hierárquico, lança uma agressão verbal.
PRÁTICA CONSTANTE DE JOGO DE AZAR
A prática de jogos de azar no ambiente de trabalho pode prejudicar a produtividade, o desenvolvimento das atividades empresariais e as relações entre os colaboradores. Para evitar essa situação, é fundamental que o empregador deixe claro que tais práticas não são permitidas. Caso ocorram, é recomendável aplicar sanções mais leves inicialmente e, em casos de reincidência, considerar a demissão por justa causa.
Exemplos incluem um colaborador que organiza um torneio de truco nas instalações da empresa ou um empregado que frequentemente realiza vendas de rifas durante o expediente de trabalho.
PERDA DA HABILITAÇÃO OU DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS EM LEI PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO, EM DECORRÊNCIA DE CONDUTA DOLOSA DO EMPREGADO
Esta possibilidade foi incluída pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) A perda de habilitação ou dos requisitos necessários estabelecidos por lei para o exercício de determinada profissão, devido a conduta dolosa do empregado, passou a ser considerada motivo para demissão por justa causa. Isso ocorre porque tal situação impede que o trabalhador desempenhe as funções para as quais foi contratado.
Por exemplo, quando um médico tem sua licença profissional revogada, ele não tem mais condições de exercer suas atividades em um hospital. Da mesma forma, quando um motorista de ônibus acumula muitos pontos na carteira e tem sua habilitação suspensa, ele não pode mais atuar como motorista.
É NECESSÁRIO TER CAUTELA ANTES DA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA
Mesmo diante de situações como as descritas acima, é preciso ter cautela antes de demitir um funcionário por justa causa. Isso porque caso o empregador não esteja munido das provas necessárias para justificar a demissão por justa causa, esta pode ser revertida por decisão judicial, ou seja, se o empregado ajuizar ação requerendo a reversão da demissão por justa causa para demissão sem justa causa e esta for reconhecida pela justiça, o empregador será condenado a pagar todas as verbas rescisórias de uma demissão sem justa causa.
Para evitar evitar situações assim perante a Justiça do Trabalho, é essencial dispor de mecanismos que fundamentem os motivos pelos quais um funcionário está sendo demitido por justa causa. Além disso, é crucial analisar se as ordens dadas estão em conformidade com o contrato de trabalho e com as disposições legais. É fundamental que o empregador esteja ciente de que a demissão por justa causa deve ser reservada apenas para casos graves em que o trabalhador tenha cometido uma infração significativa contra a empresa, já que essa é uma penalidade severa. Ainda, é necessário que o empregador tenha provas para fundamentar a demissão por justa causa.
Ainda, é importante agir rapidamente diante de faltas graves, pois qualquer atraso pode representar um risco para a empresa. Isso se deve ao fato de que um longo período entre a ciência da falta pelo empregador e a aplicação da penalidade pode ser interpretado pela justiça como um perdão implícito. É fundamental lembrar que, para cada infração cometida, deve haver apenas uma punição; o trabalhador não pode receber advertência ou suspensão e, em seguida, ser demitido por justa causa pelo mesmo motivo. Isso significaria que o trabalhador está sendo punido duas vezes pela mesma falta.
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